Recuperação Judicial como alternativa dos impactos da Covid-19

Por Rony Mendes Matias Martinssócio-fundador da Mendes Matias Martins Advogados. Especialista em Direito Tributário pela PUC/MG e em Direito Processual Civil pela EPD/SP.

Além da grave crise na área da saúde, a pandemia de coronavírus já tem impactado a economia e os negócios de empresas em todo mundo. Mesmo os Estados Unidos da América, maior economia do mundo, bateram recordes de demissões de empregados nos últimos dias, movimento que deverá ser similar no Brasil. Diante desse cenário, um novo quadro de crescimento da inadimplência se apresenta às empresas, oferecendo riscos aos acordos e contratos firmados com seus clientes e fornecedores.

Os encaminhamentos jurídicos para estes pontos dependerão de algumas varáveis, como a natureza de cada contrato, as consequências já acordadas sobre circunstâncias imprevisíveis e inevitáveis e também o impacto sofrido pelas partes.

A impossibilidade de cumprir o contrato pode ser caracterizada como motivo de força maior, caso fortuito ou onerosidade excessiva. A depender das circunstâncias, estas caracterizações podem tanto resultar na revisão das condições contratuais, na suspensão ou eliminação das penalizações por atraso ou até mesmo na resolução do contrato. Segundo ele, independente de qual seja o caso, a análise deve ser feita caso a caso e cabe às partes dos contratos serem proativas em relação à mitigação e controle dos possíveis efeitos.

Vale lembrar que em alguns casos, mesmo na tentativa de negociações desses contratos, acaba sendo insustentável arcar com esses compromissos. Nesses casos mais complexos que impactem negativamente a capacidade de pagamentos pode ser analisada a utilização dos regimes de recuperação judicial.

Pedidos de falência e recuperação judicial

Essa medida, além de evitar a falência da empresa, permite a suspensão imediata de todas as ações e execuções em curso, inclusive com a inexigibilidade das dívidas futuras. A empresa ganha um fôlego de até 180 dias para apresentar um Plano de Recuperação e ele será submetido à aprovação de uma Assembleia de Credores, que, se aprovado, permitirá uma moratória e pagamento pelos meses subsequentes.

Todo o processo de Recuperação Judicial, tecnicamente, pode durar cerca de 30 meses. Isto é: 180 dias para a realização da assembleia e 24 meses para permanecer em Recuperação Judicial (art. 61, lei 11.101/05). Entretanto este prazo pode variar caso a caso, prevalecendo sempre a superação da crise e novação das obrigações anteriores ao início do processo.

Outro aspecto relevante é o da negociação entre as partes, sendo possível o pagamento do passivo com deságio, dependendo da negociação e do acordo com os credores no Plano de Recuperação. Esse deságio tem apresentado uma média histórica de 20%, mas há casos em que alcança 70%. Ou seja, a empresa em recuperação paga de forma diluída e com deságio.

Abrindo um parêntese no tema, atualmente tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei n° 1781/20 que cria regras transitórias para o processo de recuperação judicial de empresas durante a pandemia de Covid-19 no País. Entre outras alterações, prorroga o prazo para o início da execução da dívida e prevê a realização de assembleias de credores por meio virtual.

Ainda de acordo com o projeto, empresas que apresentarem pedido de recuperação judicial entre 20 de março de 2020 e 31 de outubro de 2020 terão direito à suspensão de ações de cobrança por mais 180 dias. Microempresas e empresas de pequeno porte, segundo o projeto, terão ainda prazos 40% superiores aos concedidos às demais empresas para quitar débitos com a Fazenda Pública ou com o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), desde que a sua recuperação judicial tenha sido processada no prazo compreendido entre março e outubro. Atualmente, a LRE já prevê prazo 20% maior para essas empresas.

De outro lado, o grande risco do processo de Recuperação Judicial é a falta de consenso na aprovação do Plano, que ocasiona na decretação automática da falência.

Mas o fato é que os grandes credores, em sua maioria bancos, que ostentam um poder de voto maior na Assembleia de Credores, têm cooperado bastante com as empresas sérias e viáveis economicamente, anuindo com os pleitos de Recuperação Judicial. De forma geral, este instituto tem atingido a finalidade precípua de preservação das empresas

É recomendável que os empresários procurem informações legais diante de cada caso concreto, além de ser muito importante que todos continuem atentos aos desdobramentos globais e a potencial necessidade de adotarem medidas e ações complementares.

Este artigo foi publicado no ESTADÃO, na coluna Fausto Macedo (clique aqui para ler na íntegra o original)

COVID-19: Impactos Jurídicos para Empresas

advogado criminal

Como a crise causada pela pandemia da Covid-19 está impactando as empresas no âmbito fiscal e quais são as projeções para caminhos jurídicos nestes pontos.

A chegada da pandemia de coronavírus (COVID-19) ao Brasil trouxe importantes consequências para as relações econômicas e internacionais. Entre os principais impactos possíveis para as empresas estão: a paralisação da sua atividade ou da cadeia produtiva; a paralisação ou atraso do fluxo de importação e exportação de insumos; a escassez de mão-de-obra; aumento inesperado dos custos; inadimplementos; comprometimento do fluxo de caixa; entre outros.

Nesse cenário, é natural que surjam dúvidas acerca dos impactos jurídicos nas mais variadas áreas do Direito. Com o intuito de fornecer uma visão geral das consequências que já estão sendo verificadas no dia a dia (como edição de novas normativas, alterações no funcionamento de tribunais e repartições públicas), bem como das potenciais discussões jurídicas que poderão resultar dessa pandemia, pontuamos a seguir o que nesse momento entendemos como principais pontos de atenção.

Como se portar diante das obrigações contratuais que ainda estão pendentes de cumprimento? É possível que a crise causada pela pandemia da COVID-19 justifique o inadimplemento de obrigações contratuais?

As respostas para estes questionamentos dependem de alguns fatores, entre eles: do caso concreto; da natureza de cada contrato; daquilo que as partes convencionaram contratualmente como consequência para o inadimplemento das obrigações diante das circunstâncias imprevisíveis e inevitáveis; e do grau do impacto sofrido pelas partes.

A impossibilidade do cumprimento de obrigações contratualmente assumidas em razão de fato imprevisível e fora do controle das partes pode dar ensejo à caracterização de hipóteses de força maior, caso fortuito ou onerosidade excessiva, que, a depender das circunstâncias, poderá levar à suspensão do cumprimento e eliminação dos efeitos da mora, à revisão de suas condições, ou até mesmo à resolução do contrato. Da mesma forma, deve-se analisar o comportamento do próprio devedor à luz dessa situação, sobretudo, no tocante ao dever de mitigar prejuízos e de agir de acordo com o princípio da boa-fé.

No caso de eventual declaração de caso fortuito/força maior, é essencial que sejam observadas as disposições pertinentes previstas em cada contrato. Alguns documentos preveem um procedimento específico para declaração de força maior, que pode incluir o envio de notificação para a contraparte, a comprovação da impossibilidade de cumprimento das obrigações contratuais e um prazo para manifestação.

Além disso, alguns acordos podem prever que o prolongamento do evento de força maior por um prazo específico pode dar causa à resolução do contrato. É importante atentar que a inobservância do procedimento previsto na cláusula de caso fortuito/força maior poderá prejudicar o direito de suspensão da execução do contrato, bem como sua eventual resolução.

Por outro lado, na hipótese de caracterização de onerosidade excessiva, é fundamental comprovar que o atual cenário impõe um desequilíbrio exagerado e imprevisto entre as prestações contratuais e acarreta prejuízos para o contratante. Mais uma vez, deverão ser observadas as regras do contrato pertinente, que poderão prever desde a repactuação das obrigações originalmente acordadas até o encerramento da relação contratual.

A análise deve ser feita caso a caso e cabe às partes dos contratos serem proativas em relação à mitigação e controle dos possíveis efeitos identificados.

Os riscos de paralisação, atraso, aumento de custos, falta de insumos, descumprimento e até rompimento de contratos também podem ocasionar problemas de liquidez que impactem negativamente a capacidade de pagamentos perante contrapartes diversas.

Além de medidas seletivas para administração do caixa, os interessados devem considerar buscar a renegociação privada e consensual das respectivas obrigações. Em situações mais agudas, pode ser oportuna e necessária a utilização dos regimes de Recuperação Extrajudicial ou Recuperação Judicial como plataforma para viabilizar a reestruturação de dívidas, em ambiente processual organizado.

A Recuperação Judicial obsta o decreto de falência da empresa, que pode decorrer de qualquer impontualidade nos pagamentos à rede de fornecedores de bens e créditos das empresas. Além de evitar a falência, há a suspensão imediata de todas as ações e execuções em curso em face da empresa recuperanda, inclusive com a inexigibilidade das dívidas futuras. A empresa ganha um fôlego e tem seis meses para apresentar um Plano de Recuperação para pagamento de seu passivo. O plano será submetido à aprovação de uma Assembleia de Credores, que, se aprovado, permitirá uma moratória e pagamento pelos anos subsequentes, de acordo com o previsto e aprovado.

É possível também o pagamento do passivo com deságio, dependendo do acordo com os credores no plano de recuperação. Essa medida apresenta uma média histórica de 20%, alcançando em alguns casos até 70%. A empresa paga de forma diluída e com deságio. No entanto, observa-se o risco do processo de Recuperação Judicial, com a falta de consenso na aprovação do Plano de Recuperação, o que importa na decretação automática da falência.

As empresas certamente devem continuar a monitorar os desdobramentos globais relacionados com a pandemia envolvendo o COVID-19 e a potencial necessidade de adotarem medidas e ações complementares. Recomendamos, sempre, buscar orientação legal quando diante de um caso concreto. Permaneceremos atentos ao desenrolar dos fatos e ficamos a postos para qualquer ajuda ou orientação.

Mendes Matias Martins Advogados – Escritório Jurídico e de Negócios, que oferece ao mercado competências em diversas áreas, na forma de serviços, assessoria e consultoria. Atuante na área de litígios empresarias, com experiência em causas complexas envolvendo ramos do direito tributário, civil, trabalhista, tecnológico e das novas conjunturas e arranjos econômicos disruptivos (startups).